Faleceu, no último dia 24 de março, Elio Demier, um dos fundadores da LIBRE.
Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense, tinha especialização em Publicidade e Propaganda e MBA pelo Copead da UFRJ. Demier foi editor da Bom Texto Editora, membro do conselho diretor da Mills e um grande vascaíno.
Participou das primeiras diretorias da liga, entre 2001 e 2006, como membro dos Conselhos Fiscal e de Admissão. Segundo Cristina Warth, “os editores que viveram os tempos de formação da LIBRE certamente guardam boas lembranças dele” e, dentre as boas recordações, está a da Camila Perlingeiro, primeira presidente da associação, que afirmou: “ele e o Armando Carvalho, da Editora Fissus, que também se foi em 2011, foram, muitas vezes, a voz da razão e da experiência, quando aquela menina de 27 anos resolveu que dava pra ser a primeira presidente da LIBRE”.
Profissional de destaque no mercado editorial, participou do I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial, em 2004, evento coordenado pelo prof. Aníbal Bragança, que também nos deixou esse ano. Demier mediou a mesa Memórias de editores brasileiros, por seus sucessores, com a participação de Marcos Pereira, Cristina Zahar e Sebastião Lacerda.
Demier tinha uma visão especial do papel do editor, afirmando que toda casa publicadora deveria abrir espaços para novos autores e “nunca ser uma editora que não tem tempo para seus autores, livreiros e leitores”, reforçando a importância que ele dava aos relacionamentos e, com isso, cultivava a amizade com muitas pessoas, como Zygmunt A. Filipecki Junior, editor da Mauad X, que escreveu a carta abaixo e que a LIBRE assina e publica, como se fosse sua homenagem ao já saudoso Elio Demier.
Oi, amigo,
Por que você foi tão depressa? Sei que, pelo jeito que as coisas caminham por aqui, você andava triste, embora com esperança de breve mudança. Mas logo você, Demier, quando tantos, sejamos sinceros, nestes tempos estranhos, não fariam a menor falta se tivessem tomado a sua frente…
Nós nos conhecemos quando a LIBRE estava sendo criada. Nos primeiros encontros, como você gostava de falar, todos podiam ver que tinha visão, e muitas, muitas ideias para a nossa futura ONG e sobre este chamado “mercado editorial”.
Logo nos aproximamos. Além da paixão pelos livros, nos identificávamos pelas nossas experiências profissionais anteriores.
Enquanto na editora, conservadores, nós da Mauad X não pensávamos em ficção, e só depois de quase trinta anos estamos dando os primeiros e tímidos passos, você, empolgado, publicava contos, romances, poesias. Por sua conta e risco, tratava esses livros com o mesmo carinho que dedicava aos amigos. “Minha nossa! Que caminho difícil ele escolheu”, pensava. E foram surgindo livros maravilhosos da Bom Texto, como a seleção dos Contos Eternos, em 3 volumes, os Franceses, os Latinos e os Russos. Mais uma ousadia: em capa dura.
Depois tivemos muitos outros, e, agora, não só de ficção. A sua sensibilidade política o fez publicar alguns livros vencedores, como Reflexões (Im)Pertinentes, de Virginia Fontes. E o que dizer de outros gêneros, como Uma história do diabo? Esses e muitos outros esgotados, pelo sucesso que fizeram. Mas, abusando da licença poética, eu poderia dizer que esse Uma história… bem se aplicaria aqui, à história brasileira.
Num determinado momento, chocados com as dificuldades de pequenos editores, depois de vivermos uma bem-sucedida carreira como executivos, chegamos a sonhar em resgatar um pouco daquela experiência para sairmos daquele sufoco de ter de matar “um leão por dia” e, enfim, mantermos as editoras vivas. Não deu em nada, mas a história vale a pena ser contada.
Junto com outros dois amigos e editores com histórias empresariais semelhantes, seguindo os seus sonhos, nos reunimos na sede da Bom Texto, na Barra, para definir os passos para a criação de uma holding com as quatro editoras. Eu, na organização, fiquei encarregado de apresentar um estudo e lá fui eu. Discorri, lembrando velhos tempos, sobre a estrutura da nova empresa e de como aproveitaríamos intensamente as experiências anteriores de cada um. O que vinha do mercado financeiro, cuidaria da grana; o outro, aquele com larga experiência industrial gráfica, cuidaria da produção; o Élio, claro, seria responsável pela área comercial; e, assim, destacando a participação executiva de cada um, segui minha apresentação, daquele jeito bem chato e característico das reuniões empresariais nas grandes organizações. Quando estava, digamos, quase no fim, fui interrompido com a seguinte colocação: “Zyg, resumindo, o que você está propondo é que, pra gente dar certo, teríamos que voltar a ser o que éramos antes de ser editores”. Pronto, olhamos uns para os outros e a reunião acabou deliciosamente… Fomos todos comemorar o que não levaríamos adiante, num chopinho em um botequim bem perto da Bom Texto.
Os amigos que participaram desse arremedo de aventura, e que infelizmente também se foram muito cedo, eram o Armando Carvalho, da Fissus, e Evanildo Bechara, da Lucerna.
Demier, não sei se todos os seus amigos o tratavam assim, ou por Élio, não sei. Mas você, como nossos outros mosqueteiros, nos deixou muito cedo. E você, logo agora que, entre conversas que tanto me ajudavam a manter a “cabeça em pé”, fazíamos planos de reeditar títulos da Bom Texto. Você nem viu prontas as reimpressões de Meu Adorado Pedro, de Vera Moll, e de Reflexões (Im)pertinentes, de Virginia Fontes, ambos também com o selo da Bom Texto.
Apesar de afastado, pois havia desativado sua editora, vinha mantendo enorme interesse a respeito de como as coisas andavam na área editorial… O seu retorno às edições, tão inesperadamente frustrado, demonstram o seu amor pelos livros e pelas suas causas. Uma coisa é muito certa: para você, fazer livros também era um negócio, mas não era qualquer negócio. Você nos fará muita falta, amigo.
Zygmunt A. Filipecki Junior
Editor da Mauad X